quinta-feira, 15 de abril de 2010

Intervenção da deputada Aline Gallasch-Hall sobre Recomendação do Grupo Municipal do CDS-PP, " Fundação José Saramago"

(versão completa, pois por falta de tempo, a deputada Aline teve de reduzir a sua intervenção)

Assembleia Municipal de Lisboa
13 de Abril de 2010


A polémica sobra as obras da Fundação José Saramago é, infelizmente para o prestígio internacional do nosso único prémio Nobel da Literatura, o que o PPM classifica de perfeito exemplo de gestão pouco transparente da coisa pública.
Mais uma vez, a direcção socialista criou uma novela que, de fino recorte literário, nada tem. O que conseguiu foi um imbróglio obscuro que evoca quase devaneios caprichosos.
Um processo que, rigor, não teve nenhum. Vejamos:
- Propõe a utilização de um monumento nacional sem ter autorização, dispensando concurso público, e contrata lateralmente arquitectos para requalificarem o espaço e restaurarem o edifício, cujas obras, há alguns anos atrás, também foram polémicas;
- Deixa chegar as obras a um valor astronómico, o que é demonstrativo de um esbanjamento do dinheiro público, sem qualquer estudo prévio demonstrado, numa época de crise indiscutível;
- Não apresenta, como já é seu costume, qualquer estudo orçamental ou um plano definido e pormenorizado do projecto, nem o submete a aprovação a quem de direito.
O bem público, neste caso, um edifício da Câmara, não pode ser tratado como se fosse um bem privado do Sr Presidente da Câmara. Há todo um conjunto de procedimentos que têm de ser cumpridos. E que não foram...
Se estas irregularidades provêm da própria Câmara, que moral terá a mesma de exigir taxas, concursos públicos e rigor quando tiver de tratar de assuntos dos munícipes? É este o exemplo que devemos seguir? Se nem a própria Câmara cumpre com os propósitos legais, que moral terá ela de exigir seja o que for aos seus concidadãos? É esta a forma republicana de Governo? É assim que querem construir a “Lisboa, capital da República”, como afirmam na Carta Estratégica? É essa a forma que encontraram para dignificar o trabalho da República?
Não estamos aqui a discutir nem a colocar em causa a excelência do escritor e a importância da sua obra. Aliás, é exactamente pela admiração e reconhecimento pela figura nobre do nosso único Nobel da Literatura que achamos ser José Saramago merecedor de um local com maior dignidade, demonstrativo do seu estatuto, e desprovido de irregularidades, ilegalidades e polémicas.
Nem a escolha do local sequer é própria! Não só por não ter rigorosamente nenhuma ligação à obra do autor, pois é uma casa que reúne em si a simbólica do século XVI que nunca foi tratada por ele, como há espaços na cidade muito mais dignos ao seu nome e à sua obra.
Esta polémica já extravasou o limite do razoável.
Não vou referir o espanto que me causou ver uma espanhola à frente do projecto da Fundação. Foi uma escolha do próprio autor (o que é coerente, já que este afirmou que Portugal, mais cedo ou mais tarde será uma província espanhola...). Pilar é sua representante, muito bem. D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, também era leonesa...refiro-me sim ao espanto causado pelas considerações negativas que a senhora teceu às dúvidas que se levantaram.
Senão vejamos as recentes declarações da mulher de José Saramago, a 11 de Março, na imprensa nacional. A jornalista espanhola Pilar del Rio classifica esta polémica de: “rasca, absurda e estúpida”.
Nós não colocamos em causa a importância que José Saramago tem para Lisboa ou para Portugal. É importante que haja uma Fundação José Saramago e é importante que a mesma fique em Lisboa – se bem que a cidade de Mafra também não seria nada mal pensado, mas não vamos por aí. A escolha está feita, foi Lisboa e, aliás, o senhor presidente da câmara até já contou com o apoio do escritor na sua campanha…é claro que nós não achamos que terá prometido este desfecho, é uma pura coincidência.
Vamos à polémica: Será ela merecedora das graves expressões “rasca, absurda e estúpida”?
Será que é “rasca” querer saber como é que uma obra, cuja previsão inicial não chegava aos 600 mil euros passa, assim, como que por artes de magia, (com toda a certeza, por mão de Blimunda) para 2,2 milhões de euros? E, já agora, será que vai ficar por aqui?
Será “absurdo” querermos saber por que não houve concurso público ou por que não existe uma autorização do IGESPAR?
E será “estúpido” mostrar preocupação sobre quais os recursos financeiros da instituição para suportar custos na manutenção e gestão da Casa dos Bicos?
Como vêem, a Fundação José Saramago é algo que já nasce torto. Mas por culpa de quem?
Não é certamente daqueles que se preocupam pela transparência dos processos e que fazem perguntas legítimas em defesa dos interesses dos munícipes. A culpa é de quem não teve as devidas cautelas para evitar que estas perguntas viessem a ser feitas…
E nós sabemos quem é o culpado, ou não sabemos? O culpado é o actual presidente da Câmara, o mesmo que assinou o protocolo em Julho de 2008.
No PPM, como já dissemos, apesar de Saramago não ser monárquico, sabemos ver para além disso e não o vamos “excomungar”, qual Baltazar, do seio da sociedade alfacinha…
Queremos sim que Lisboa, como capital de Portugal, tenha uma fundação com o nome do único português Nobel da Literatura. Mas, como até já lemos os seus livros, pensamos que, por exemplo, teria sido melhor se a sua fundação viesse a encontrar um espaço em outro local da cidade. Não teria sido muito mais lógico e melhor para todos se a fundação tivesse ido para a zona do Chiado e do Largo Camões, dentro do tradicional roteiro literário da cidade, podendo expandi-lo até à Calçada do Combro, ocupando a antiga biblioteca Camões?
Afinal, foi o próprio Saramago que nos deu esta ideia, quando escreveu o seguinte na sua obra de 1984, “O Ano da Morte de Ricardo Reis”:
"Parece isto obra do destino, que tendo Ricardo Reis procurado tão insistentemente e de tão longe, veio a encontrar, já na quarta-feira, um porto de abrigo, por assim dizer, mesmo ao pé da porta, no Camões, e com tanta fortuna que se achou instalado em gabinete com janela para a praça, é certo que se vê D'Artagnan de costas, mas as transmissões estão asseguradas, os recados garantidos, do que logo fez demonstração um pombo voando da sacada para a cabeça do vate, provavelmente foi-lhe segredar ao ouvido, com malícia columbina, que tinha ali atrás um concorrente, mente, como a sua, às musas dada, porém, braço não mais do que às seringas feito, a Ricardo Reis pareceu que Luís de Camões encolhera os ombros, nem era o caso para menos"...
Também nós aqui dizemos, que nem era o caso para menos. Por isso votamos a favor desta recomendação.

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